sexta-feira, 3 de maio de 2013

Por dentro da Memória de S.


                Dando continuidade ao post sobre Sinestesia e o estudo de caso que prometi aqui apresentar como exemplo dessa habilidade ímpar de associação, hoje contarei um pouco sobre a forma com que Luria observava seu paciente e como ele, o S., realizava suas associações em sua cabeça para que conseguisse armazenar tamanha quantidade de informação de forma precisa e rápida (e, portanto, inacreditável).
                Ao se deparar com o caso de S., que foi enviado por seu chefe da redação do jornal onde trabalhava, Luria foi percebendo que ali se encontrava um homem de rara e incrível habilidade. Todos os testes comuns aos quais S. era submetido não traziam grandes esclarecimentos para as dúvidas que Luria tinha sobre seu paciente. Ele os fazia com grande facilidade, o que gerava mais dúvidas para o psicólogo. A partir disso, Luria começou a elaborar testes próprios e a mudar um pouco o sentido de sua pesquisa sobre aquela mente tão poderosa e habilidosa no quesito memória. Ele passou então, a acompanhar seu paciente como um amigo, buscando entender sua vida, suas dificuldades, emoções e tudo o que o cercava, e não apenas sua curiosa e poderosa habilidade.
                Durante os anos de acompanhamento, foi ficando mais claro para o psicólogo, pelo menos em parte, como S. fazia para conseguir realizar tais feitos. Utilizando-se de vários métodos e formas de associações, o paciente possuía a natural e espontânea (segundo ele próprio) habilidade de sentir, ver, ouvir, imaginar coisas ao ouvir determinada palavra ou ver algum objeto. S. atribuía ao que se pedia para ele memorizar, sentidos que para ele completavam o significado da tal coisa.
                Ele podia ouvir sons ‘pontiagudos’ ao ouvir uma palavra que para ele tinha essa característica; podia sentir uma textura áspera a outro determinado nome; poderia até mesmo atribuir cores, formas e desenhos a números. Dessa forma, ele podia, através desses links em sua cabeça, memorizar uma enorme quantidade de informações de forma espontânea.
                S. possuía uma outra forma de memorização muito curiosa: para lembrar-se de uma grande sequência de nomes de objetos, por exemplo, ele os imaginava dispostos ao longo de um determinado caminho que ele já conhecia, como o trajeto para sua casa, por exemplo. Imaginando os objetos ‘jogados’ ao chão por todo o percurso, ele conseguia lembrá-los, um por um, através dessa forma por ele desenvolvida. Por vezes, S. precisava forçar um pouco mais sua capacidade de lembrar algum objeto ao deixá-lo em algum canto ‘escuro’ ou de difícil acesso, no contexto de seu ‘caminho’. Aqui, foi uma das primeiras observações que Luria fez sobre uma possível ‘dificuldade’ de memorização em S.. Porém, o paciente, assim mesmo, não apresentou, de fato, significante barreira ou problema para lembrar-se de alguma coisa. Apenas teve que se forçar um pouco mais para resgatar tal memória.
                Como forma de contornar eventuais dificuldades, S. desenvolvia alguns métodos que não o deixavam falhar. Foi assim que fez quando começou a se apresentar em público como mnemonista e lhe eram impostas palavras difíceis e sem sentido para ele, de forma que não era possível estabelecer ligações. Ele desenvolveu um método no qual ao deparar-se com essas palavras, ele as decompunha em partes e estabelecia significados e relações para cada uma delas. Porém isso exigiu bastante treino de sua parte, tomando algumas horas por dia de S.. Ele nos relata um pouco desse método: “Se, digamos, recebo uma frase que não compreendo, como Ibi bene ubi patria, crio uma imagem de Benya (bene) e seu pai (pater). Apenas teria de lembrar que eles estão numa pequena casa em algum lugar da floresta, discutindo...” (A.R. Luria, 2006 p.37).
                Nesse ponto, começam a surgir para Luria, algumas questões; teria a memória de S. algum limite? Onde estaria a origem da sinestesia de seu paciente?
                Ao perceber que para, necessariamente, tudo, S. estabelecia conexões sinestésicas, Luria começa a refletir se aquela habilidade seria, realmente, uma qualidade para seu paciente, ou uma patologia.

No próximo post, resgatarei e aprofundarei estas questões, bem como mais impressões de Luria sobre o caso de S..

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