Olá, caro leitor!
Dando
prosseguimento ao último post, hoje continuarei algumas descrições e impressões
de Luria sobre seu paciente S., e resgataremos algumas questões e
características desse tão emblemático sinesteta, bem como finalizarei essa
sequência de posts sobre o estudo de caso de Luria.
A partir das
últimas questões do autor e suas observações, o mesmo chega à conclusão de que
S. era, de fato, diferente de ‘nós’ por suas habilidades de fazer as
associações que fazia, apesar de deixar claro algumas dificuldades de S. em
expressar tudo isso em palavras. Com base nisso, Luria se pergunta: “Que tipo
de mente era essa?”; “Como S. fazia para aprender, adquirir e dominar
conhecimento e complexas operações intelectuais?”; “O que diferenciava sua
maneira de pensar dos outros?”. (A.R. Luria, 2006 p.83)
Diante da
busca por estas respostas, Luria encontra uma grande contradição: no mundo de
S., a riqueza de pensamento e imaginação combinava-se curiosamente com
limitações de seu intelecto. A partir disto, o autor começa a classificar,
separadamente, creio eu que para facilitar nosso entendimento, os pontos fortes
e fracos de S. e sua habilidade até então “incrível” e, relativamente, “infalível”.
Uma das formas
de classificação que ajudava S. em suas associações era sua forma de pensar “especulativa”.
Sua mente era operada pela visão e seu pensamento consistia em operações que
realizava sobre suas imagens. Diante disso, ele conseguia se envolver profundamente
numa narrativa, por exemplo, por nunca perder um detalhe, por vezes até mesmo
encontrando “erros” e contradições em inúmeros contos (como os de Chekhov) e
várias outras obras literárias que tinha contato. S. tinha uma “leitura gráfica”
das histórias, tendo o foco nos detalhes da trama, diferentemente dos autores,
que se preocupavam com as ideias e desenvolvimento do texto.
A mesma
facilidade era por S. encontrada para a resolução de problemas práticos e logísticos,
por ele ser capaz de projetar e visualizar os acontecimentos e possíveis cenários
previamente em sua cabeça. Daí seu “modo especulativo”.
Após a
enumeração de alguns pontos úteis e considerados positivos na habilidade de S.,
o autor põe em questão as “vantagens” da forma de pensar de S..
Nesse ponto,
Luria se pergunta: “Haveria riscos em confiar exclusivamente num pensamento
figurativo e particularmente sinestésico?”.
S. faz uma
afirmação sobre sua habilidade: “Outras pessoas pensam enquanto leem, mas eu vejo
tudo”, descreve-se. (A.R. Luria, 2006 p.98)
Porém, uma
grande dificuldade ocorria a ele caso lesse rápido demais. Ao formar as imagens
em sua cabeça, com velocidade, era causada uma confusão, já que as imagens
viriam rápido demais, se sobrepondo, ficando assim deformadas. Por outro lado,
se S. fizesse uma leitura muito pausada, também eram criados problemas à sua
compreensão, já que enquanto lia um trecho, formava uma imagem sobre ele. No
caso de uma descrição contínua de itens, por exemplo, ele teria que desfazer
uma imagem já concebida para formar outras que, segundo a sequência de
descrição, não estava de acordo com o que imaginara inicialmente.
Assim, essa
forma de imaginação de S. poderia representar tanto uma ajuda quanto um obstáculo
na aprendizagem dele, já que o impediam-no de concentrar-se no essencial.
Por conta da
formação de imagens e ligações de cada palavra a uma respectiva coisa, S.
também possuía problemas com sinônimos, homônimos e metáforas, o que causava
confusão a ele. Isso se tornou um tormento para sua compreensão de poesias e
obras, ricas nestes recursos literários e sentidos figurativos.
Além da
capacidade de memória, independente de seus lados positivos e negativos, S.
conseguia, através de suas habilidades, ter um grande controle sobre seu corpo,
mais do que um homem comum. Ele era capaz de manipular, por exemplo, seus
batimentos cardíacos e a temperatura corporal, como exemplifica Luria,
relatando alguns dos testes realizados com seu paciente, no qual S., pensando
em situações em que estivesse em perigo, faz seus batimentos aumentarem, por
exemplo. Ele descreve sua própria habilidade com a frase: “Se quero que algo
aconteça, simplesmente imagino-o em minha mente”.
Porém, essas experiências
eram subjetivas a S., assim como seu “controle da dor” (na qual relata que
conseguia, ao imaginar imagens associadas à dor sofrida numa visita ao
dentista, reduzir a dor sentida pelo manuseio de instrumentos em sua boca). Seu
corpo, fisiologicamente, sentia os estímulos e os recebia, porém, devido à sua
percepção, o que ele sentia era reduzido, ou alterado, por suas impressões sinestésicas,
o que não gerou grande resultado nesse sentido à pesquisa de Luria.
Luria
esclarece que para S., a linha entre imaginação e realidade era rompida, pois “as
imagens que sua imaginação fazia surgir davam uma impressão de realidade” a
ele. E isso gerava grandes transtornos a S., por não ter, por vezes, grande
discernimento de sua imaginação e realidade, o que causou durante sua vida,
comportamentos estranhos, transtornos, sucessivas trocas de emprego etc.
Com tudo isso,
Luria conclui, com o estudo de caso de S., que a psicologia deve se focar mais
nos aspectos vitais, essenciais da personalidade humana. Podemos voltar aqui,
ao conceito e ideia que já expliquei aqui, na apresentação do autor, de “Ciência
Romântica”, aonde o sujeito e tudo que o cerca, são essencialmente levados em
conta na tentativa de compreensão da problemática ou o que a causa no indivíduo
em questão. Compreender o seu contexto, suas vontades, dificuldades,
habilidades, origens, dentre uma série de itens que fazem parte da formação do
sujeito, interessam a Luria, na tentativa de se encontrar não uma explicação
lógica e objetiva do sofrimento de seu paciente, mas, talvez, uma forma de
viver, na qual o seu paciente, ou amigo, possa se sentir menos angustiado,
sofrer menos com o que se passa em sua mente.
Concluímos
aqui, a apresentação dessa obra marcante, que por vezes, em minha opinião, se
mostra excessivamente detalhista (talvez um pouco como S.), porém de fácil
entendimento e leitura. Porém, ao mesmo tempo, considerando-se a amplitude da
história descrita, acredito que seja justo o autor ter se utilizado de tantos
exemplos e detalhes para melhor demonstrar a realidade vivida por seu amigo e
paciente, S..
Deixo aqui
também, um link interessante do site Mundo Estranho que, apesar de tratar como ‘distúrbio’,
traz definições simples e de fácil entendimento sobre sinestesia, caso eu tenha
deixado a desejar nessa explicação em algum momento.
O site também
traz alguns sinestetas ilustres como o pintor, também russo, Kandinsky e o
grande guitarrista (do qual sou fã) Eddie van Halen. Vale a pena conferir!
http://mundoestranho.abril.com.br/materia/o-que-e-sinestesia
Referência bibliográfica: "A Mente e a Memória" - A.R. Luria - Martins Fontes, 2006.