domingo, 26 de maio de 2013

Bipolaridade: um estudo de caso.

Olá amigos!
                No post de hoje, dando continuação à minha iniciação ao mundo da psicologia, apresentarei um estudo de caso muito interessante e prático relatado por uma, até então, estudante de graduação do curso de enfermagem da USP. Luciana Martins nos apresenta seus relatos sobre sua experiência de acompanhar, num trabalho de Assistência de Enfermagem, uma paciente que sofria de um distúrbio chamado Psicose Maníaco-Depressiva (PMD), bem como suas reações, impressões e dificuldades ao longo desse trabalho de estágio feito em uma disciplina de seu curso.

                Uma boa definição simples e concisa nos é apresentada por Luciana, quanto ao distúrbio:
“A Psicose Maníaco-Depressiva (PMD) é um distúrbio do humor chamado de perturbação bipolar e é subdividida de acordo com a sintomatologia do episódio presente: maníaco, depressivo ou misto”.

Levando em consideração que atualmente muito se fala e muito se ouve falar sobre “comportamento bipolar”, “bipolaridade”, etc, este estudo muito nos esclarece sobre o tal distúrbio e suas fases.

Como já dito, há três fases nessa patologia. Na fase mista, o paciente passa por uma estabilização de humor, gerando aparência de normalidade. A fase maníaca tem como quadro sintomas relacionados a uma euforia intensa, com elevação de humor, sentimentos de grandiosidade, ansiedade e insônia que pode se agravar para irritabilidade, hostilidade e violência física contra quem tentar aconselhar ou colocar limites no paciente maníaco.

          Como contraste, na fase depressiva, o sentimento marcante é a melancolia. O paciente extremamente desinteressado pela vida, perde o prazer em qualquer tipo de atividade, tendo dificuldade de concentração se sente desanimado e inútil. É inseguro, possui baixa auto-estima, sentimento de culpa, pensamentos suicidas e outros sintomas semelhantes.

A paciente de Luciana foi internada com o diagnóstico de PMD crônico de ciclagem rápida, ou seja, não apresenta a fase mista, oscila entre maníaca e depressiva rapidamente. No começo, em que a paciente se encontrava no período depressivo, a enfermeira, sem conseguir obter resultados satisfatórios de imediato, desanimou-se, pensando em desistir. Porém, um dia, interagindo com sua paciente, Luciana buscou mudar um pouco sua abordagem. Usando as técnicas terapêuticas, a enfermeira conseguiu estimular a paciente a falar sobre seus sentimentos, e com uma postura livre de julgamentos, criou um ambiente mais seguro e confortável, ajudando a paciente a desenvolver visões positivas da vida.

        Em seu artigo, Luciana deixa clara a importância destas técnicas terapêuticas, bem como o uso da própria personalidade do enfermeiro em favor do bom relacionamento do paciente, a fim de se obter uma boa compreensão e estabelecer uma relação de confiança entre enfermeiro-paciente.


Quem quiser ler o estudo de caso na íntegra pode acessar o seguinte link: http://www.ee.usp.br/reeusp/upload/pdf/478.pdf


domingo, 12 de maio de 2013

O perfil da memória de S.


Olá, caro leitor!
Dando prosseguimento ao último post, hoje continuarei algumas descrições e impressões de Luria sobre seu paciente S., e resgataremos algumas questões e características desse tão emblemático sinesteta, bem como finalizarei essa sequência de posts sobre o estudo de caso de Luria.
A partir das últimas questões do autor e suas observações, o mesmo chega à conclusão de que S. era, de fato, diferente de ‘nós’ por suas habilidades de fazer as associações que fazia, apesar de deixar claro algumas dificuldades de S. em expressar tudo isso em palavras. Com base nisso, Luria se pergunta: “Que tipo de mente era essa?”; “Como S. fazia para aprender, adquirir e dominar conhecimento e complexas operações intelectuais?”; “O que diferenciava sua maneira de pensar dos outros?”. (A.R. Luria, 2006 p.83)
Diante da busca por estas respostas, Luria encontra uma grande contradição: no mundo de S., a riqueza de pensamento e imaginação combinava-se curiosamente com limitações de seu intelecto. A partir disto, o autor começa a classificar, separadamente, creio eu que para facilitar nosso entendimento, os pontos fortes e fracos de S. e sua habilidade até então “incrível” e, relativamente, “infalível”.
Uma das formas de classificação que ajudava S. em suas associações era sua forma de pensar “especulativa”. Sua mente era operada pela visão e seu pensamento consistia em operações que realizava sobre suas imagens. Diante disso, ele conseguia se envolver profundamente numa narrativa, por exemplo, por nunca perder um detalhe, por vezes até mesmo encontrando “erros” e contradições em inúmeros contos (como os de Chekhov) e várias outras obras literárias que tinha contato. S. tinha uma “leitura gráfica” das histórias, tendo o foco nos detalhes da trama, diferentemente dos autores, que se preocupavam com as ideias e desenvolvimento do texto.
A mesma facilidade era por S. encontrada para a resolução de problemas práticos e logísticos, por ele ser capaz de projetar e visualizar os acontecimentos e possíveis cenários previamente em sua cabeça. Daí seu “modo especulativo”.

Após a enumeração de alguns pontos úteis e considerados positivos na habilidade de S., o autor põe em questão as “vantagens” da forma de pensar de S..

Nesse ponto, Luria se pergunta: “Haveria riscos em confiar exclusivamente num pensamento figurativo e particularmente sinestésico?”.
S. faz uma afirmação sobre sua habilidade: “Outras pessoas pensam enquanto leem, mas eu vejo tudo”, descreve-se. (A.R. Luria, 2006 p.98)
Porém, uma grande dificuldade ocorria a ele caso lesse rápido demais. Ao formar as imagens em sua cabeça, com velocidade, era causada uma confusão, já que as imagens viriam rápido demais, se sobrepondo, ficando assim deformadas. Por outro lado, se S. fizesse uma leitura muito pausada, também eram criados problemas à sua compreensão, já que enquanto lia um trecho, formava uma imagem sobre ele. No caso de uma descrição contínua de itens, por exemplo, ele teria que desfazer uma imagem já concebida para formar outras que, segundo a sequência de descrição, não estava de acordo com o que imaginara inicialmente.
Assim, essa forma de imaginação de S. poderia representar tanto uma ajuda quanto um obstáculo na aprendizagem dele, já que o impediam-no de concentrar-se no essencial.
Por conta da formação de imagens e ligações de cada palavra a uma respectiva coisa, S. também possuía problemas com sinônimos, homônimos e metáforas, o que causava confusão a ele. Isso se tornou um tormento para sua compreensão de poesias e obras, ricas nestes recursos literários e sentidos figurativos.
Além da capacidade de memória, independente de seus lados positivos e negativos, S. conseguia, através de suas habilidades, ter um grande controle sobre seu corpo, mais do que um homem comum. Ele era capaz de manipular, por exemplo, seus batimentos cardíacos e a temperatura corporal, como exemplifica Luria, relatando alguns dos testes realizados com seu paciente, no qual S., pensando em situações em que estivesse em perigo, faz seus batimentos aumentarem, por exemplo. Ele descreve sua própria habilidade com a frase: “Se quero que algo aconteça, simplesmente imagino-o em minha mente”.
Porém, essas experiências eram subjetivas a S., assim como seu “controle da dor” (na qual relata que conseguia, ao imaginar imagens associadas à dor sofrida numa visita ao dentista, reduzir a dor sentida pelo manuseio de instrumentos em sua boca). Seu corpo, fisiologicamente, sentia os estímulos e os recebia, porém, devido à sua percepção, o que ele sentia era reduzido, ou alterado, por suas impressões sinestésicas, o que não gerou grande resultado nesse sentido à pesquisa de Luria.
Luria esclarece que para S., a linha entre imaginação e realidade era rompida, pois “as imagens que sua imaginação fazia surgir davam uma impressão de realidade” a ele. E isso gerava grandes transtornos a S., por não ter, por vezes, grande discernimento de sua imaginação e realidade, o que causou durante sua vida, comportamentos estranhos, transtornos, sucessivas trocas de emprego etc.
Com tudo isso, Luria conclui, com o estudo de caso de S., que a psicologia deve se focar mais nos aspectos vitais, essenciais da personalidade humana. Podemos voltar aqui, ao conceito e ideia que já expliquei aqui, na apresentação do autor, de “Ciência Romântica”, aonde o sujeito e tudo que o cerca, são essencialmente levados em conta na tentativa de compreensão da problemática ou o que a causa no indivíduo em questão. Compreender o seu contexto, suas vontades, dificuldades, habilidades, origens, dentre uma série de itens que fazem parte da formação do sujeito, interessam a Luria, na tentativa de se encontrar não uma explicação lógica e objetiva do sofrimento de seu paciente, mas, talvez, uma forma de viver, na qual o seu paciente, ou amigo, possa se sentir menos angustiado, sofrer menos com o que se passa em sua mente.
Concluímos aqui, a apresentação dessa obra marcante, que por vezes, em minha opinião, se mostra excessivamente detalhista (talvez um pouco como S.), porém de fácil entendimento e leitura. Porém, ao mesmo tempo, considerando-se a amplitude da história descrita, acredito que seja justo o autor ter se utilizado de tantos exemplos e detalhes para melhor demonstrar a realidade vivida por seu amigo e paciente, S..
Deixo aqui também, um link interessante do site Mundo Estranho que, apesar de tratar como ‘distúrbio’, traz definições simples e de fácil entendimento sobre sinestesia, caso eu tenha deixado a desejar nessa explicação em algum momento.
O site também traz alguns sinestetas ilustres como o pintor, também russo, Kandinsky e o grande guitarrista (do qual sou fã) Eddie van Halen. Vale a pena conferir! http://mundoestranho.abril.com.br/materia/o-que-e-sinestesia

Referência bibliográfica: "A Mente e a Memória" - A.R. Luria - Martins Fontes, 2006.

sexta-feira, 3 de maio de 2013

Por dentro da Memória de S.


                Dando continuidade ao post sobre Sinestesia e o estudo de caso que prometi aqui apresentar como exemplo dessa habilidade ímpar de associação, hoje contarei um pouco sobre a forma com que Luria observava seu paciente e como ele, o S., realizava suas associações em sua cabeça para que conseguisse armazenar tamanha quantidade de informação de forma precisa e rápida (e, portanto, inacreditável).
                Ao se deparar com o caso de S., que foi enviado por seu chefe da redação do jornal onde trabalhava, Luria foi percebendo que ali se encontrava um homem de rara e incrível habilidade. Todos os testes comuns aos quais S. era submetido não traziam grandes esclarecimentos para as dúvidas que Luria tinha sobre seu paciente. Ele os fazia com grande facilidade, o que gerava mais dúvidas para o psicólogo. A partir disso, Luria começou a elaborar testes próprios e a mudar um pouco o sentido de sua pesquisa sobre aquela mente tão poderosa e habilidosa no quesito memória. Ele passou então, a acompanhar seu paciente como um amigo, buscando entender sua vida, suas dificuldades, emoções e tudo o que o cercava, e não apenas sua curiosa e poderosa habilidade.
                Durante os anos de acompanhamento, foi ficando mais claro para o psicólogo, pelo menos em parte, como S. fazia para conseguir realizar tais feitos. Utilizando-se de vários métodos e formas de associações, o paciente possuía a natural e espontânea (segundo ele próprio) habilidade de sentir, ver, ouvir, imaginar coisas ao ouvir determinada palavra ou ver algum objeto. S. atribuía ao que se pedia para ele memorizar, sentidos que para ele completavam o significado da tal coisa.
                Ele podia ouvir sons ‘pontiagudos’ ao ouvir uma palavra que para ele tinha essa característica; podia sentir uma textura áspera a outro determinado nome; poderia até mesmo atribuir cores, formas e desenhos a números. Dessa forma, ele podia, através desses links em sua cabeça, memorizar uma enorme quantidade de informações de forma espontânea.
                S. possuía uma outra forma de memorização muito curiosa: para lembrar-se de uma grande sequência de nomes de objetos, por exemplo, ele os imaginava dispostos ao longo de um determinado caminho que ele já conhecia, como o trajeto para sua casa, por exemplo. Imaginando os objetos ‘jogados’ ao chão por todo o percurso, ele conseguia lembrá-los, um por um, através dessa forma por ele desenvolvida. Por vezes, S. precisava forçar um pouco mais sua capacidade de lembrar algum objeto ao deixá-lo em algum canto ‘escuro’ ou de difícil acesso, no contexto de seu ‘caminho’. Aqui, foi uma das primeiras observações que Luria fez sobre uma possível ‘dificuldade’ de memorização em S.. Porém, o paciente, assim mesmo, não apresentou, de fato, significante barreira ou problema para lembrar-se de alguma coisa. Apenas teve que se forçar um pouco mais para resgatar tal memória.
                Como forma de contornar eventuais dificuldades, S. desenvolvia alguns métodos que não o deixavam falhar. Foi assim que fez quando começou a se apresentar em público como mnemonista e lhe eram impostas palavras difíceis e sem sentido para ele, de forma que não era possível estabelecer ligações. Ele desenvolveu um método no qual ao deparar-se com essas palavras, ele as decompunha em partes e estabelecia significados e relações para cada uma delas. Porém isso exigiu bastante treino de sua parte, tomando algumas horas por dia de S.. Ele nos relata um pouco desse método: “Se, digamos, recebo uma frase que não compreendo, como Ibi bene ubi patria, crio uma imagem de Benya (bene) e seu pai (pater). Apenas teria de lembrar que eles estão numa pequena casa em algum lugar da floresta, discutindo...” (A.R. Luria, 2006 p.37).
                Nesse ponto, começam a surgir para Luria, algumas questões; teria a memória de S. algum limite? Onde estaria a origem da sinestesia de seu paciente?
                Ao perceber que para, necessariamente, tudo, S. estabelecia conexões sinestésicas, Luria começa a refletir se aquela habilidade seria, realmente, uma qualidade para seu paciente, ou uma patologia.

No próximo post, resgatarei e aprofundarei estas questões, bem como mais impressões de Luria sobre o caso de S..